terça-feira, 8 de maio de 2012

Mijando em nossos ouvidos!

Uma das coisas que talvez mais incomoda em nossa convivência social nas cidades modernas é a desagradável atitude de alguns indivíduos em escutar "música" em seus carros em volumes exageradamente elevados fazendo com que, além ferir fisicamente nossos tímpanos e pelos ciliados da membrana basilar, sejamos obrigados a ouvir algo que não gostamos. É muito curioso que ninguém ouve um Beethoven no carro e em volume exorbitante. Bem, só uma anedota, não é curioso nada. Quem tem gostos musicais sendo populares ou eruditos um pouco mais elaborados geralmente gosta de sua saúde auditiva. Essa atitude, além de revelar inúmeros problemas sociais como falhas no processo educativo, não compreensão por partes de alguns de como se estabelecem os contratos sociais que embasam a convivência mútua, entre outras coisas, revelam também certos costumes que podem estar arraigados em nossos comportamentos mais primitivos. Na verdade, digo isso para preparar a apresentação de uma citação muito salutar a respeito dessa "prática" desagradável e que explica o título deste post. A citação que reproduzirei abaixo para que possamos ampliar a reflexão sobre o assunto é do professor da USP Fernando Iazzeta retirada de seu livro "Música e mediação tecnológica". Neste livro, Iazzeta apresenta um grande e interessante panorama de como as transformações sociais e tecnológicas modificaram ou criaram práticas específicas de relacionamento do humano com a música. Em um trecho que relata sobre o surgimento dos aparelhos de som e rádio domésticos nas sociedades da primeira metade do século XX afirma:


"Não há estranhamento algum no fato de que nossa sociedade foi constituída de modo que a mulher tradicionalmente se ocupasse de questões domésticas, enquanto o homem era destinado ao trabalho fora de casa. Seja qual for o grau de flexibilidade com que esse quadro se mostra na sociedade atual, nos parece razoável apontar para o domínio tipicamente feminino do ambiente doméstico, especialmente no ambiente familiar de classe média. O que alguns autores vão argumentar é que o homem vai utilizar-se das tecnologias de áudio para demarcar, dentro de um ambiente doméstico, uma espécie de espaço de resistência. Numa atitude que se aproxima à do comportamento mais primitivo de outros animais que espalham seu cheiro para demarcar sua autoridade em um determinado território, o homem da classe média do século XX vai usar os aparelhos de reprodução musical (o fonógrafo, o rádio, o hi-fi) com a mesma finalidade. Seu poder não é estabelecido por uma relação de força física, mas concentra-se na sua capacidade de conhecimento de uma tecnologia cujo funcionamento seria geralmente ignorado ou simplesmente desinteressante para o mundo feminino. E a demarcação do território deixa de ser feita pelo cheiro para dar-se por meio da potência sonora: quanto mais volume tiver o som, maior a probabilidade de que os outros habitantes da residência (especialmente os do sexo feminino) mantenham-se afastados" (IAZZETA, F. Música e Mediação Tecnológica. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 116-117).


Vamos trazer esse contexto para a atualidade. O universo masculino na primeira metade do século XX, que era demarcado pelos aparatos tecno-sonoros dentro da sala de estar, passa para o fetichismo (que na verdade também já existia) pelo carro e para o endeusamento do som automotivo.

Fica assim evidente que, infelizmente, os representantes dessa classe de indivíduos nos fazem conjecturar acerca da existência de um comportamento, no mínimo, "involutivo". Será que não esta na hora de considerar que no debut da segunda década do século XXI a matilha de "cães sonoros", que somos obrigados a aturar com sons exagerados e "músicas" regredidas (no sentido adorniano), evoluam um pouquinho e parem de "Mijar em nossos ouvidos"?

Um comentário:

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